CRÔNICA - Gatilho

     
Fonte: facebook.com/realpoetastro

        Uma explosão de sentimentos passava pelo coração de Natália.

        Um misto de desprezo, tristeza, frustração, decepção... incompreensão. Não conseguia entender o porquê daquilo. Não encontrava respostas à pergunta que ecoava em sua cabeça: “como chegamos a esse ponto?”.

        Sentia raiva. Uma raiva por ser uma espectadora qualquer diante da situação. Poderia parecer um mero comentário. Desses que a gente costuma ver por aí, nessa internet tão vasta, que, apesar de abrigar coisas úteis, muitas vezes é palco de cenas pejorativas ou nada construtivas.

        Mas aquele comentário chamou a atenção de Natália. Enlaçou-a numa angústia sem fim na tarde daquela terça-feira, quando ela havia acabado seus afazeres, e resolvera acomodar-se em sua cadeira e tomar um café com pão. Apenas jogar o tempo fora vendo vídeos na internet.

        Caro leitor,

        Peço que eventual impacto não lhe cause transtornos, mas, este era o comentário que se apresentava diante de Natália e seria motivo para grande inquietação de seu coração: “10 likes and I kill myself”.

        Um pouco forte, não? Mas exatamente assim, sem tirar, nem acrescer. Espero que lhe seja compreensível de alguma forma, por isso pouparei traduções, caro leitor e amigo. Porém, o que Natália reparou logo após foi o que conseguiu espremer cada espaço dentro dela, e causar-lhe uma enorme repulsa.

        81 curtidas. 16 minutos. Pasmem... ou não.

        Ela parou, olhou. Pensou sobre aquilo por um instante. Natália não sabia por que aquele comentário teria sido feito. Ela pensou sobre muitos outros que são apenas comentários vazios por aí, com o intuito de apenas chamar atenção na internet. Porém, não sabia ela se a pessoa que o fizera estaria passando por algo dentro de si e precisava de algo assim como um gatilho. Ela esperava que não.

        O que Natália sabia era o peso que cada “like” daquele tinha. Mais do que se perguntar o motivo de tal comentário, ecoava aquela mesma pergunta: “como chegamos a esse ponto?”. O que move as pessoas a fazerem o que a pessoa propunha, sem quaisquer dificuldades? A fim de quê, afinal? O que lhes despertou o apetite de apertar aquele botão?

        Natália queria gritar. Queria sair correndo para um mundo onde aquilo jamais seria verdade. Poderia parecer algo qualquer. Mas ela sabia que aquilo representava as diversas “pequenas e insignificantes coisas”, porém grandiosas em seus sólidos e pesados efeitos. Que acontecem todos os dias e somente passam... sem que ninguém ao redor sequer perceba, e recaem sobre um só corpo. Em um só coração, em uma só mente. E implodem. E devastam.

        Palavras. Ou ações que simplesmente as dispensam e bastam por si.

        Partículas tais como um gás... Sim, um gás. Perdoe-me pela pobre analogia, caro leitor. Falta-me sabedoria para tal. Mas embarque nessa comigo. Invisível, silencioso e inodoro. Isento de culpa, até então. E vai penetrando nos seus ouvidos ou transpassa seus olhos... então caminha lentamente por seu corpo... de imediato, você sente uma ardência. Um mal estar. Algo dentro de você não vai bem. Então, ele vai deixando migalhas pelo caminho. E desintegra cada pequenino espaço.

       Mas ele é tão inofensivo, todos dizem. Não é nada demais, insistem; até provarem de seus efeitos. Somente você conhece os rastros. Cada caminho que ele percorreu. E ficou lá, e então deixou algo que nunca mais pôde sair.

        Natália sabia da fragilidade do ser humano. Sua inclinação para, muitas vezes, expressar o que vem a sua mente. Sem pensar em suas eventuais consequências ou impactos.

        Quantas vezes ela se sentira pequena e vulnerável. Sabia que a dor que sentia sozinha, nem sempre se reduzia com um gesto afável. Nem sempre era afável. Nem sempre alguém lhe estendia a mão. Mas também sabia o quanto importava que, ao menos, ninguém estendesse o pé meramente para empurrar-lhe quando estivesse na beira de um precipício, preste a cair.

       Natália sabia que cada qual tem o seu precipício. Às vezes, ele pode ser alto, mas tão alto... que em uma queda, tudo se esvai... muitas vezes sem se perceber, e entram irreversivelmente para os números e para as insignificâncias das estatísticas... ou sequer entram. Ela tinha em seu coração que não era “qualquer coisinha”. Era sobre empatia. Era sobre humanidade.

       Natália murchou como uma uvinha passa. Não conseguia entender. E, se tentasse, sentiria ainda mais raiva. Sua esperança estremecia. Sua impotência fazia-lhe pequenininha... E sua culpa, pois ela também fazia parte daquilo, aumentava ainda mais.
       ...

       Resolveu verificar, então, as respostas àquele comentário. Surpreendeu-se com algumas mensagens, aquelas afáveis. Sua esperança reacendeu em algumas faíscas. Pensou que, talvez, nem tudo estivesse perdido, afinal. E que, talvez, tais palavras pudessem fazer a diferença. E desejou que sim.

       Porém, ainda se sentia triste. O vazio permanecia. E aquele ocorrido ainda esmorecia-lhe naquela tarde de terça-feira.

       Não sabia ela sobre o interior de cada um naquele exato momento. Não sabia se ainda restaria, para algumas pessoas, um ombro para se recostar. Um colo ou um abraço. Ou qualquer um daqueles gestos afáveis. Que as confortaria ou lhes daria suporte para, simplesmente, permanecer em silêncio e aquietar-se por um momento.

      Afinal, como diria Marcelo Jeneci, “quantas são as dores e alegrias de uma vida”... ou, nas palavras de Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”...

     “Onde fomos parar?”, pensava ela. “Por que apontar as armas uns para os outros?”. Natália nunca saberia explicar. E ficaria corroída para sempre pelo inconformismo e decepção. Por cada detalhe que se expressa todos os dias, a todo momento. Mesmo sem se ver... mas nunca sem se sentir.

     Ela desejava que aquela pessoa estivesse bem.

     Ela desejava que cada pequeno, porém vasto mundo que abriga cada um, pudesse sobreviver às suas tribulações diárias. E desejava que fôssemos melhores. Para si, para o mundo. Uma utopia, talvez? Talvez, a esse ponto, fosse.

     Mas o que Natália nunca abandonaria seria sua esperança. Ela sabia da chama que poderia ser acesa em cada um... e era tarefa tão simples... Contudo, seria o suficiente para aquecer muitos corações.

Mariana Ribeiro, 3º ano C

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