CRÔNICA - 150 metros.

Foto: Fernando Pierre

           Duzentos metros. A aula tinha acabado de terminar e eu já estava a duzentos metros da escola. Eu não sabia bem, mas eu sentia também que estava fugindo. Tinha gente que eu não queria encontrar, mas talvez não fosse só isso. Continue andando, não para, mais rápido, por favor.

Trezentos metros. O dia estava mais frio do que eu calculara, mas não fazia mal. Andando eu iria esquentar, não iria?

Lembrei que eu deveria ter ficado lá para adiantar o trabalho de geografia. Mas agora não podia mais ficar na biblioteca. Provavelmente, eu acharia algum canto na rua. Eu não tinha bem para onde ir, mas eu também não me importava com isso. Meu ônibus até que passava com frequência, para quando eu quisesse ir embora.

 Quatrocentos metros. Me distraí com algum cachorro na rua, ele veio atrás de mim e eu lhe fiz carinho. Não me importava se ele estava ou não doente. Um copo d’água e um carinho não se nega a ninguém, não é mesmo?

        Quase me esqueci de que não poderia enrolar. Quase me esqueci de que Mogi é uma cidade que de grande só recebe o nome, porque na verdade, quem nela mora, bem sabe: é mais pequena que a vontade de levantar da cama em uma segunda-feira chuvosa.

Continuei andando apressada para qualquer lugar que pudesse me proteger da chuva que se armava, evitando os pontos em que os semi-conhecidos ficavam após a aula. Não era tão difícil saber os gostos. Um tanto vai tomar açaí, outro tanto procura as batatas. Ainda tem um bocado que fica zanzando que nem eu na cidade.

Quinhentos metros. Agora veio a sensação esquisita de que estava esquecendo algo. Mas eu não sabia bem o que era. Bem, se eu não lembrei, não deveria ser assim tão importante. Pelo menos era o que diziam.

Ouvi algumas risadas exageradas. Um grupo de moleques fumando passaram do outro lado da calçada. Não pareciam ter idade para isso. Esperei eles virarem a rua para continuar meu caminho.

Seiscentos metros. O ritmo frenético de meus passos estava me desgastando e me vi obrigada a descansar um pouco, tirei a mochila que pesava pelo menos todos os meteoros que caíam em marte e meu ombro quase gritou. Só não gritou porque não tinha boca.

Foi aí que eu percebi que tinha algo errado. Eu abri a procura de todos os meteoros (vulgo, livros) que carregava. Quis me afogar nos meus próprios lamentos. O fichário tinha ficado no armário da escola. Chequei o horário. Eram 16h05. Se eu corresse, conseguiria pegar o portão aberto.

Eu nem lembrava mais do que fugia quando me pus ao caminho contrário.
Quinhentos metros, quatrocentos metros. Seja por causa da minha pressa constante, ou distração inegável, mas nunca fui muito paciente para esperar o sinal fechar. Além de um xingo ou outro, que mal tinha, afinal? Que droga, os carros nunca davam a seta!

Trezentos metros, duzentos metros. Já havia decidido que era melhor ir para casa direto, depois dessa. Praguejei contra meu lapso de memória. Praguejei contra a chuva rala que caía agora.
          Cento e cinquenta metros. Quando eu ouvi a buzina, já era tarde.

 Não vi o carro.

Paula Cruz, 2º Etim Design de Interiores

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