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O vagão estava cheio. Não tanto quanto de costume. Alguns sentados, muitos em pé. Em horários de pico, nem mesmo dias de feriado são o suficiente para cessar de vez a maré de gente que invade as estações.
Sorte a minha encontrar um assento e recostar
minha cabeça. De modo despercebido e absorto, poderia observar o mundo inteiro dali
mesmo. Como quem analisa cada detalhe ou apenas flutua num vasto vazio, ali eu
poderia estar. Com minha mente e minha alma. Ou apenas o meu corpo. Sem maior
cisma ou desassossego. Apenas estava.
Naquele
dia, meus olhos resolveram registrar aquela cena. Havia um homem, sentado bem à
minha frente. Era alto, com seus quarenta e poucos anos, cabelos grisalhos,
cujos fios eram bem alinhados. Parecia cansado, como todos ali naquele trem.
Inclusive eu, após um dia cheio na faculdade.
Seus olhos estavam pesados, como quem já
passava da hora de estar na cama. Seu semblante era sério, o qual expressava a
preocupação de alguém com mil coisas na cabeça. Seus lábios faziam cálculos
discretos e seus olhos reviravam como quem fala consigo mesmo e tenta achar
soluções e avaliar situações que vagam em sua mente. Estava em outro mundo.
Por vezes, esfregava as pálpebras cansadas,
franzindo as rugas da testa. E assim seguia. Estação a estação. Naquele trem
cheio, porém vazio de barulhos. O alvoroço externo dava lugar aos rumores
internos de cada passageiro.
Um barulhinho abafado, então. Havia recebido
uma mensagem, aquele homem. Nem teria eu reparado se não fosse aquela a
responsável por um sorriso frouxo em seu rosto. Seu semblante pôs-se
ligeiramente mais leve. E, após alguns segundos, digitava poucas palavras que
pareciam carregar sutilmente em si o entusiasmo daquele ato.
Então, guardou o celular, encostou a cabeça e
fechou os olhos. Parecia ter voltado ao mundo que prendera seus pensamentos.
Chamou-me atenção aquela situação. A
felicidade é astuta, pensei. Quantizada que só ela. É graça que vem às gotas.
Que não parece se permitir o tempo todo, mas que se entrega por inteiro a cada
segundo de seu galanteio. É aquela nuvem tão bonita ali, olha!... eita, já se
foi. É sorriso sutil e inesperado que se encontra no meio da rua vez ou outra,
e se esvai em segundos.
É o bombom que a moça ali encostada ao lado do
homem recebeu minutos atrás. É encontrar o assento do trem vazio em horário de
pico. É chegar mais cedo em casa ou, após um dia chuvoso, poder finalmente
tirar os sapatos encharcados e colocar uma meia quentinha. É poder encostar a
cabeça, colocar os fones de ouvido e curtir aquela sua música favorita sem se
preocupar com mais nada, até que chegue sua estação. É encontrar aquela moça
que vende aquele pão de mel “dos deuses”! E por apenas dois reais, que você
encontrou no bolso por acaso.
Felicidade é aquela coisinha que durou algum tempinho
no coração daquele homem ao receber uma mensagem.
Que coisa louca! Pensei. A gente vive submerso
nesse mar de realidade e emergir dele pra respirar um pouco é exceção. É
regalia. É efêmero. E tudo isso, de uma forma que nos é incrivelmente natural e
convincente.
Penso que, talvez, a tal da felicidade não
seja a culpada da situação, afinal. Ela também é refém do que a gente chama de
tempo. O danado que sempre nos falta, e que nos sufoca com tamanha brevidade. Que
nos faz andar em ritmo ofegante sem sequer olhar para os lados, sempre aflitos
com o que há de vir, com o que há de ser feito e com o que não podemos, de
maneira alguma, poupar nossas infinitas preocupações, pois o amanhã se
acostumou a ser certeza absoluta.
O relógio que gira de forma abrupta e
constante. Que, num piscar de olhos, nos faz esquecer até mesmo do que ontem
nos era de extremo apreço e urgência e que, hoje, tornou-se apenas mais uma
tarefa a ser riscada da lista. O cronômetro contínuo, que não perde a oportunidade
de deixar passarem despercebidos aqueles pequenos e grandes prazeres da vida.
O prazer de se contentar a todo momento ou de
simplesmente se permitir enxergar o lado bom escondido em cada instante. De
cativar e deixar-se ser cativado, em um encontro por acaso, que geralmente a
gente sequer vê e deixa escapar por aí...
De viver o agora como o presente, e não como o futuro que ontem nos
tirava o sono.
...
Mas, logo caio na real. Acho mesmo que esse
deva ser só mais um devaneio qualquer de um dia desses... uma reflexão
momentânea ou um clichê incrivelmente óbvio que a gente até pensa de vez em
quando, mas, em segundos, volta pra vida real e vai deixando pra amanhã... Afinal,
creio que segundas-feiras talvez não sejam dias tão bons pra tentar ser feliz assim.
Quem sabe aquele homem tenha a sorte de
encontrar mais dessas gotas de alegria por aí... E, como muitos de nós
costumamos fazer, espere constante e ansiosamente as sextas-feiras para poder
se embebedar.
Mariana Ribeiro, 3º ano C
Simplesmente apaixonada por essa crônica ��
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